Globalização e Reforma Agrária
Prof. Leandro Nieves
A luta pela terra no Brasil é consequência de uma dívida
histórica. Para entender este ponto, é necessário retomar a história da luta
pela liberdade dos escravos e do acesso à terra.
·
A
Lei Eusébio de Queirós, 1850.
Em 1850 foi estabelecida a Lei Eusébio de Queirós, que proibia o tráfico
de escravos para o Brasil. A partir desse ano, houve aumento da imigração e
também foram sendo criadas leis abolicionistas. Trata-se de um momento em que
se expandia o cultivo do café e, consequentemente, a necessidade de mais mão de
obra para o setor.
Figura 1 – Linha do tempo da luta pela escravidão no Brasil |
Relembrando: A luta pela liberdade dos escravos no Brasil foi longa
e conteve ao todo 4 leis em torno desta questão. A primeira Lei foi de 1850,
Lei de Eusébio de Queiróz, pelo qual extinguiu o tráfico negreiro, proibindo,
portanto, somente a comercialização dos escravos. A segunda é de 1871,
conhecida como Lei do Ventre-Livre, que livrava da escravidão os filhos de
escravos que nascessem a partir da data da promulgação da Lei. A terceira é de
1885, que aprova a Lei “dos Sexagenários” que libertava os negros com mais de
65 anos da escravidão. E finalmente, em 1888 instaura a Lei Áurea, abolindo
completamente a escravidão no Brasil.
·
A
Lei de Terras, 1850.
O objetivo da criação dessa Lei era de atrair, por meio da arrecadação
que previa, um grande contingente de trabalhadores, de forma que se pudesse substituir
o trabalho escravo pelo trabalho assalariado. Com o sistema de sesmarias já em
desuso, essa Lei proibiu o livre acesso às terras devolutas. Assim, a titulação da terra só poderia ser
efetivada mediante a sua compra com o devido registro em cartório. Dessa
forma, imigrantes pobres e escravos alforriados e/ou libertos teriam poucas
chances de adquirir terras, sem que primeiro se empregassem nas fazendas de
café das oligarquias que comandavam o processo político no País.
Figura das capitanias hereditárias e sesmarias
·
Portanto, a Lei de Terras foi uma estratégia
política de assegurar a mão-de-obra no Brasil e garantir que a terra pertencesse
a elite.
·
O objetivo da Lei era identificar as terras com
posse e sem posse. A terra sem posse seria considerada como pertencente ao
Estado, sendo chamada de terra devoluta.
·
A partir dessa Lei, a forma de apropriação de
terras modificou, tendo, somente a posse de novas terras quem pagasse. Contudo,
diversos documentos falsos foram registrados nas paróquias, já que, esta não possuía
instrumento para verificar a validade dos documentos. Neste momento surge os
grilos, que são documentos falsos atestando posse de propriedades. Estes
documentos falsos foram motivos por conflitos e mortes entre próprios grileiros.
·
Atualmente, na Constituição Federal de 1988, as
terras devolutas ocupadas irregularmente devem ser desapropriadas e devem ser terras
para reforma agrária
1530 até 1822 – Forma de apropriação da terra somente com
concessão de sesmaria pela Coroa Portuguesa
1822 – Independência política do Brasil e abolição
da sesmaria
1850 – Lei de Terras. As terras já ocupadas seriam medidas e
submetidas a condições de utilização ou, novamente, estariam na mão do estado,
que as venderia para quem definisse.
1888 – Lei Áurea. Abolição da escravidão
Figura 2 – Linha do tempo da apropriação da terra |
Diferença
entre posseiro e grileiro
Posseiro
– indivíduo que ocupa pacificamente terras alheias
e/ou devolutas com área mínima suficiente para garantir a subsistência de pequeno
grupo familiar, podendo beneficiar-se da lei do usucapião para obter o título
da propriedade.
Grileiro
– indivíduo que ocupa terras alheias e/ou devolutas
mediante o uso de documentação fraudulenta, dando margem às reivindicações do
MST.
3. A ocupação de terra no século XX e XXI
·
Durante a década de 1950 e início da década de
1960, a luta pela terra se intensificava e a palavra de ordem era a luta pela
Reforma Agrária – “a terra para quem trabalha”, e não para a especulação
imobiliária.
·
O golpe militar de 1964 veio frustrar a expectativa
das reformas de base propostas pelo governo João Goulart, e, dentre essas
proposições de reformas, estava também a Reforma Agrária. Como uma resposta
acanhada a essa expectativa, o governo militar criou o Estatuto da Terra e do
Trabalhador. Neste documento o latifúndio improdutivo estaria sujeito a
desapropriação e se transformaria em terras da reforma agrária.
·
O Estatuto da Terra define Reforma Agrária como
“a melhor distribuição da terra e o estabelecimento de um sistema de relações
entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, de forma que fossem
atendidos e respeitados os princípios da justiça social, o aumento da
produtividade, para garantia do progresso e do bem-estar do trabalhador rural,
bem como do desenvolvimento do País, prevendo a gradual e progressiva extinção
do minifúndio e do latifúndio”.
Exemplos de países
que já fizeram reforma agrária:
· Espanha,
· EUA
· França,
· Itália,
· Inglaterra,
· países escandinavos
· Japão,
· Israel
· Irlanda
a) Reforma agrária na ditadura militar: região da Amazônia Legal
- Pró: incentivo ao povoamento na região
- Contra: sem acesso a condições básicas (sem transporte, rodovia, saúde, sem apoio financeiro)
b)
A
constituição federal e a reforma agrária
- Em 1988 é criada a Constituição Federal e é inserida a pauta da reforma agrária
- Desde então diversas tentativas de reforma agrária são praticadas (ver gráfico 1 e tabela 1).
- A não realização da reforma agrária no Brasil provocou a criação do MST e a luta pela terra. Os conflitos por terra
O MST e a ocupação de terras
- Em 1984 é oficializado a criação do Movimento dos trabalhadores rurais sem-terra (MST) na cidade de Cascavel no Paraná.
- O MST inicia a prática de ocupação/invasão de terra
- A ocupação de terra torna-se a principal forma de acesso à terra. Ou seja, a ocupação feita pelo MST pressiona o Estado e somente dessa forma, é feito a reforma agrária (leia o gráfico 1 e a tabela 1)
UDR e os
conflitos por terra
Por causa da relevância do MST
e da ocupação de terra, é criado em 1985 a União Democrática Ruralista, formado
por pequenos, médios e grandes proprietários de terras e grileiros.
Com a criação da UDR, que
passaram a organizar-se com armas e contratar pistoleiros, aumenta-se os
conflitos por terra e a violência no campo.
Gráfico 1 - A luta e a conquista da terra no Brasil |
Texto 1
Até
a independência do Brasil em 1822, a única forma de posse era por meio da
concessão da sesmaria. Depois da independência, a posse de terra foi somente
firmada com o registro nas paróquias. Contudo, em 1850 é criada a Lei de Terra
que regulamentou a situação de posse e propriedade de terra, o que gerou novamente
a modificação na forma de apropriação de terras.
Conforme explica Medeiros
(2003) a Lei “[...] legitimava o direito de posse em terras ocupadas com
culturas efetivas, recompensava o cultivo eficiente concedendo ao posseiro
outro tanto do que possuísse, garantido, dessa forma as condições preexistentes
à terra” (p.11). Portanto, até a data da promulgação da Lei, a terra sem
ocupação foi declarada pública e o acesso se restringia por meio da compra.
Segundo Girardi (2008) a intenção dessa mudança era impedir que os escravos
libertos com a Abolição e os pobres imigrantes que chegavam como mão-de-obra
pudessem ter o acesso a terra. Conforme
compara e elucida Feliciano (2007, p.49):
A partir da
Lei de terras o Estado com a finalidade de tornar a terra também mercadoria,
apresentou tentativas de regularizar propriedades que eram regidas por meio da
posse. [...] O acordo criado pela elite agrária era de continuar com a
monocultura agroexportadora no país. Para isso era necessário readequar o
problema da mão-de-obra surgida com a extinção do tráfico negreiro. Convenientemente
a Lei de Terras foi implantada no país no mesmo ano do fim do tráfico negreiro.
Sua finalidade era em primeira instância incentivar a imigração espontânea.
Esta Lei pretendia que as pessoas que tivessem com posses ou sesmarias
regularizassem suas áreas, realizando seu registro. Com essa alteração, as
terras passariam a domínios particulares, e consequentemente o Estado saberia
que as terras que sobrassem seriam suas, ou seja, as terras devolutas. A partir
daí essas terras em domínio do Estado seriam vendidas em pequenos lotes para
imigrantes que desejassem se estabelecer no país como pequenos agricultores.
A principal consequência da Lei
de Terras foi garantir a manutenção da concentração fundiária e da
disponibilidade de mão-de-obra de imigrantes (MEDEIROS, 2003). Feliciano (2007)
afirma que a criação da Lei implicou numa generalizada confusão dominial, em virtude de os títulos de terras
apresentarem caráter duvidoso devido a publicação de diversos documentos
falsificados e de assinaturas falsas (FELICIANO, 2007). A este procedimento
é denominado de grilagem, que é a falsificação de documentos de terras públicas
que são posteriormente vendidas, tornando-se um dos agravantes da situação
fundiária atual e da luta camponesa (FELICIANO, 2007; FERNDANDES, 2010,
MEDEIROS, 2003; GIRARDI, 2008).
Com a Lei, a monocultura agroexportadora manteve-se como principal
modelo econômico. A partir disto, Medeiros (2003, p.10-11) destaca o seguinte
cenário nacional no início do século XX:
Concentração fundiária, abundância de mão de obra por meio de subsídios
estatais à vinda de imigrantes e garantia de preços foram condições para manter
o café como principal produto da pauta de exportações e carro-chefe da economia
nacional. Em plano não tão importante figuravam outros produtos, como açúcar,
algodão, borracha, predominando ora um, ora outro em diferentes tempos e
regiões, mas sempre voltados para o mercado externo e com o cultivo baseado em
grandes unidades produtivas e intensa exploração de mão-de-obra. Ao mesmo tempo,
foi se fortalecendo uma pecuária extensiva, em terras não utilizadas pela
agricultura de exportação.
RIBEIRO, Leandro Nieves. Por uma rebeldia mundial: formação e ação
territorial da Via Campesina no Brasil. Dissertação (de Mestrado). Presidente
Prudente, São Paulo. 2016.
Texto 2
Objetivos da Lei
de Terras
- Estabelecer a compra como única forma de obtenção de terras públicas.
Desta forma, inviabilizou os sistemas de posse ou doação para transformar uma
terra em propriedade privada.
- O governo imperial pretendia arrecadar mais impostos e taxas com a
criação da necessidade de registro e demarcação de terras. Esses recursos
tinham como destino o financiamento da imigração estrangeira, voltada para a
geração de mão-de-obra, principalmente, para as lavouras de café. Vale lembrar
que o tráfico de escravos já era uma realidade que diminuía cada vez mais a
disponibilidade de mão-de-obra escrava.
- Dificultar a compra ou posse de terras por pessoas pobres, favorecendo
o uso destas para fins de produção agrícola voltada para a exportação. Este
objetivo foi alcançado pelo governo, pois esta lei provocou o aumento
significativo nos preços das terras no Brasil.
- Favorecer os grandes proprietários rurais, que passavam a ser os
únicos detentores dos meios de produção agrícola, principalmente a terra, no
Brasil.
- Tornar as terras um bem comercial (fonte de lucro), tirando delas o
caráter de status social derivado da simples posse.
Consequências
- Possibilitou a manutenção da concentração de terras no Brasil.
- A Lei de Terras regulamentou a propriedade privada, principalmente na
área agrícola do Brasil.
- Aumentou o poder oligárquico e suas ligações políticas com o governo
imperial.
- Dificultou o acesso de pessoas de baixa renda às terras. Muitas
perderam suas terras e sua fonte de subsistência. Restou a estas apenas o
trabalho como empregadas nas grandes propriedades rurais, aumentando assim a
disponibilidade de mão-de-obra.
- Aumentou os investimentos do governo imperial na política de estimulo
à entrada de mão-de-obra estrangeira, principalmente europeia, no Brasil.
- Favoreceu a expansão da economia cafeeira no Brasil, na medida em que
a Lei de Terras favoreceu a elite agrária brasileira, principalmente da região
Sudeste.
Texto 3 – "Metade
dos documentos de posse de terra no Brasil é ilegal"
Por Ariovaldo Umbelino de Oliveira na Carta Capital
O geógrafo,
pesquisador e professor da USP Ariovaldo Umbelino fala sobre a situação de
propriedades que utilizam terras retiradas do patrimônio público ilegalmente,
os famosos casos de grilagem, e também se diz contrário ao programa “Terra
Legal” do Governo Federal.
“Nós temos no Brasil hoje um número elevadíssimo de escrituras
onde não há fazendas”, comenta o geógrafo. Ele explica que no país existe um
número alto de fraudes na documentação de terras, principalmente em municípios
com importância econômica, como em São Félix do Xingu, no Pará, que possui o
segundo maior rebanho de carne bovina do país.
No começo de 2012, o geógrafo integrou um grupo que realizou um
comparativo entre o processo de retomada das terras devolutas do portal do
Paranapanema, em São Paulo, com o que estava acontecendo em São Félix do Xingu.
Advogados da Faculdade de Direito do Pará também participaram do projeto e o
pesquisador liderou a equipe que foi a campo analisar a situação da região.
“Nós verificamos que, na realidade, praticamente 100% dos
documentos legais do cartório têm que ser anulados, porque são falsos. A
corregedoria do Pará anulou todas as escrituras registradas no cartório de
registro de imóveis de São Félix do Xingu”, afirma. E também indaga: “Ninguém é
dono das terras mais. Bem, dono do papel. Mas quem está lá na fazenda hoje?”.
Umbelino alerta que o problema não é uma situação isolada ao norte
do Brasil. Atualmente ele enfrenta a mesma realidade em outros estados do país.
“Isso tem em todos os municípios do Brasil. Estou fazendo esse trabalho lá em
Minas Gerais, em Riacho dos Machados, é a mesma coisa. Metade dos documentos é
ilegal”, afirma.
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